30 abril 2006

OS BAILES

Os Bailes
(A Nossa Terra)

Com a chegada do mês de Junho, apareciam os bailes populares. O primeiro era na Garagem Egas Moniz. Aquele chão coberto de carros e salpicado de óleos durante o ano, era limpo e transformado em pista de dança. Ao fundo num trono improvisado Santo António e o Menino remoído pelas moscas sorria. Depois era o rufar do toca discos, a dança, o engate e o namoro que muitas vezes desaguava em casamento com a benção e cumplicidade de Santo António.

Mas baile de se lhe tirar o chapéu era o S. João no Gravato. O homem um ano desapertou os cordões à bolsa para o nosso contentamento e contratou o conjunto privativo do Santoinho. Os músicos de carne e osso ali na Rua Mário de Oliveira do lado do bairro dos índios ali mesmo a tocar peça atrás de peça. A malta mostrava os seus dotes de bailarinos em plena rua enquanto nos prédios de frente na altura em construção funcionava um bufete improvisado. Como a nível de bairrismo a cidade está dividida em três zonas ( Senradelas, Carmo e Sameiro), mais tarde o Sameiro resolveu chamar a si tal baile na noite Sanjoanina. Nestas coisas, os comes e bebes estão ligados ao baile pelo que há sempre uma taberna a servir de suporte a tudo isto e no caso do Sameiro era o Labarento.

Passando dos populares para os particulares, vou falar dos organizados pela Assembleia Penafidelense. Estes começavam com o da Pascoela e terminavam com o da Passagem de Ano. Nestes só entravam familiares dos sócios ou os soldados

cadetes que estavam no aquartelamento da cidade, isto até ao dia em que estes em pleno baile se envolveram em zaragata. Sobre isto escreveu Jorge de Sena no seu livro " Os Grão - Capitães" no capítulo "As Ites e o Regulamento " o seguinte:

"As famílias distintas reuniam-se na «Assembleia», cuja frequência nos era vedada, desde que uma vez, no primeiro ano em que houvera um curso de cadetes na cidade, o baile terminara em desordem. Os oficiais e as suas famílias faziam parte da distinção da cidade; mas algumas senhoras preferiam manifestamente passear no jardim, no meio daquele cheiro de virgindades duvidosas e de homens em cio profissional, que fora, ao caçarem os maridos, a atmosfera da sua casta militar."

Na antiga Praça do Mercado de saudosa memória, debaixo do coberto que existia ao centro se organizava o baile "Vindimas ao Luar". Este também chegou a ser feito na Praça da República e mais tarde rebatizado com o nome de A TEIA.

Mas o baile por excelência, a pedir meças a qualquer um era a "Festa do Lago". A coqueluche dos conjuntos musicais da época como: "Quinteto Académico + 2"; " Quarteto 1111"; "Segundo Galarza"; "Pop Five Music Incorpored" assinaram o livro de presenças entre muitos outros.

Cada ano vinham dois conjuntos abrilhantar o baile, havendo anos em que um deles era da terra como foi o caso dos "Aftas" e do "Prólogo".

O parque de Nossa Senhora da Piedade, popularmente conhecido por Sameiro, era adornado com milhares de tijelas de cera espalhadas pelo jardim. No lago os pares entrelaçavam-se na dança ao ritmo das notas musicais. Os bares espalhados pelos canteiros não tinham mãos a medir para retemperar as energias quando a fome apertava e o cansaço aparecia.

Ao romper do dia ainda se viam alguns pares deitados sobre a relva a curar a ressaca do baile.

Tudo isto se perdeu com as modernices dos pubs, bares e discotecas importadas da estranja para a nossa terra.

Fernando José de Oliveira


29 abril 2006

ÀS PEDRAS

Às Pedras
(A Nossa Terra)
Quem já não disse, ou ouviu dizer: " Ai se estas pedras falassem! ". Pois é, quer queiramos, quer não, as pedras fazem parte da nossa vivência. Muitas das vezes temos que conviver com gente " estúpida como uma pedra " que levada ao extremo fica " estúpida como um penedo ", ou com outra classe de pessoas que " atira a pedra e esconde a mão ", ou ainda aquelas pessoas que têm " coração de pedra ". Mas para nosso mal, Deus nos livre da pedra da vesícula, dos rins, dos dentes ou da pedrada na " tola ". Em contrapartida as mais estimadas e procuradas são as pedras preciosas, exemplo dos diamantes e rubis. Veio-me agora mesmo à ideia aquele fado cantado pela saudosa Amália que a dada altura diz o seguinte:

Lá porque tens cinco pedras
No anel de estimação
Agora falas comigo
Com cinco pedras na mão.

ou um outro intitulado: " A Rua do Capelão " que fala assim:

Ó Rua do Capelão
Juncada de rosmaninho
Se o meu amor vier cedinho
Eu beijo as pedras do chão
Que ele pisar no caminho...".

Mas a nível de cantilenas a mais conhecida é sem dúvida " A Pedra Filosofal ".
A pedra mais usada é a de sal para gastronomia diária, apesar de também ser famosa " A Sopa de Pedra ". Quando por vezes se fica enfastiado, nada melhor que beber " Água das Pedras ". Antes da era do tijolo e cimento era com frequência que se ouvia o pedreiro cantar às pedras. O cantador puxava pelo grupo e marcava a cadência da tarefa: " Vai... ó pedra...ó vai " e " Ou... ó pedra... ou ".
Além disso ainda existem alguns provérbios populares como:
" O infortúnio é a pedra de toque da amizade "; " Água mole em pedra dura, tanto dá até que fura "; Pedra que rola não cria musgo "; ou noutra versão: " Pedra roliça, não cria bolor "; " Pedra solta não tem volta"; Pedra sobre pedra, às vezes chega "; " Quando a semente é boa, até nas pedras nasce ", um dito que não se aplica muito aos treinadores de futebol, e quem sabe aos nossos políticos, é o seguinte: " Está de pedra e cal ". Outro que com a " pimbalhada " que pr'aí anda, até dava um certo jeito era ter: " Ouvido duro como uma pedra ". Também há quem diga ainda hoje, que Timor era uma " pedra no sapato" da Indonésia. Quando alguém prevarica, costuma dizer-se que: "Fulano foi chamado à pedra ".

Na toponímia penafidelense vamos encontrar o Lugar da Pedra na freguesia de Guilhufe, Pedra Pesqueira na freguesia de Recesinhos ( S. Martinho ) e Lugares de Pedreira na freguesia de Bustelo, Oldrões e Rans.
Apesar de haver muitas mais pedras para falar, vamos " pôr uma pedra sobre o assunto " e sair docemente com uma " pedra de açúcar ".

FERNANDO JOSÉ DE OLIVEIRA

28 abril 2006

O ZÉ TIMOTE

O ZÉ TIMOTE
(A Nossa Gente)

O nome de José Alberto da Rocha Ramos, talvez nada lhe diga, e poucos penafidelenses saibam de quem se trata, já que o mesmo não faz parte do jet-set local. Mas se lhe disser que se trata do Zé Timote, já todo o mundo o conhece na urbe.
Apesar de ter entrado com o pé esquerdo no campo das letras, pois não concluiu a instrução primária, isto não serviu de impedimento para triunfar no jogo da vida, já que se tornou num polivalente, ou como se diz na gíria popular, pau para toda a colher. Deixada a escola, alinhou como marçano na mercearia do Sr. Afonso Meneses, hoje já desaparecida. Creio que esta profissão de marçano, que consistia em levar a casa dos melhores fregueses as compras, nessa altura transportadas às costas ou de bicicleta de pedal, já não existe nos tempos que correm, ou se existe é com o nome de entregas ao domicílio, mas executada em carrinhas motorizadas. É nestas funções de marçano que o nosso amigo Zé Timote, vai conhecer a mulher com quem virá a ser feliz mais tarde.
Entretanto, chegou a idade da tropa, e assenta praça no G.A.C.A.3 em Espinho onde tira a recruta, seguida da especialidade em Tancos, na Escola Prática de Engenharia. Terminada a mesma, entra na Companhia de Telecomunicações de Portugal como Auxiliar de Telecomunicações, empresa que acompanha até à reforma.
Com o seu coração altruísta, volta e meia, lá aparecia o Zé com um peditório para alguém, que durante a vida, não conseguiu juntar dinheiro para o seu funeral.
Outra faceta, é a de salvar o Baptista da pena de morte várias vezes. O Baptista, era um cão vadio que muitas vezes foi apanhado pela rede e levado para o canil. Como o Zé Timote gostava tanto do cão, lá ia pagar a multa e resgatar o Baptista à liberdade. Ainda hoje, este gosto pelos animais se mantém, sendo já sócio da recente Associação Penafidelense de Protecção Animal.
Mudando um pouco de tema, estou-me a lembrar de certo dia, ir encontrar o amigo Zé Timote de sachola em punho, a limpar uns lavadouros de pedra que existem no Rio Cavalum, preocupando-se também ele com o ambiente.
Antigamente, pela altura da Páscoa, integrava o Compasso Pascal quando este ainda levava padre, indo geralmente comer a casa da Dona Maria Teresa. Hoje, embora já não incorpore no Compasso Pascal, na Sexta-Feira Santa, anda com as matracas pelas ruas de Penafiel, a anunciar a morte do Criador, aos católicos e não só.
Na procissão do Corpo de Deus, já fez parte dos pajens, que acompanham o S. Jorge que vai montado num belo cavalo ricamente adornado, fazendo questão de afirmar, que com ele, o santo nunca tombou abaixo do quadrúpede. No ano de 1989, quando a tradição da bicha serpe foi restabelecida, Zé Timote fardado à juiz da serpe, apareceu todo altivo de bicorne enfiado na cabeça, dominando de espada em riste este símbolo do mal.
Pelo Natal, apregoa a Lotaria Nacional, com um sorriso a crescer-lhe nas faces, como que a desejar as Boas-Festas e a taluda a todo o mundo.
Sei que o Zé Timote nunca será contemplado na Feira das Medalhas, mas pelo que se vê, não é que seja inferior a muitos laureados.
Também sei, que a cidade existiria na mesma sem homens como o Zé Timote, mas que seria diferente, disso não tenho dúvidas.

Fernando José de Oliveira

26 abril 2006

O Mário Silva - Alfaiate

O Mário Silva - Alfaiate
(A Nossa Gente)
Quem calcorreava a cidade em tempos que já lá vão, por vezes dava de caras, com grandes ferros de brunir com carvão incandescente, junto das soleiras das portas ou mesmo nos passeios das ruas seculares desta cidade de Penafiel. Era o sinal que por ali perto vivia um alfaiate. Estes mesmos ferros, na altura da procissão do Corpo de Deus, queimavam incenso impregnando a atmosfera deste perfume angelical. Nesses tempos abundavam em quantidade e qualidade, os profissionais da arte de medir, riscar, cortar, alinhavar, coser, pregar botões e brunir, ou seja fazer fatos à medida da pessoa. Entre o tirar as medidas e o acabamento final, havia a prova. Aí, o cliente vestia o fato alinhavado e o mestre alfaiate de fita métrica ao pescoço e giz na mão dava-lhe os últimos retoques ou correcções, para o mesmo assentar como uma luva no dia da entrega, que naquele tempo era na casa do cliente. Mas se todos sabiam fazer calças, casacos, samarras, etc., havia uma alfaiataria que tinha uma especialidade específica que era a dos irmãos Quintas, que funcionava junto à estação de camionagem do Alberto Pinto, na Rua Penafidelense, mais propriamente onde hoje se encontra o Restaurante Parisiense. Naquela oficina de alfaiataria, o forte eram batinas para padres, quando esta classe se diferenciava dos comuns mortais no dia a dia, com esta vestimenta até aos pés e colarinho branco no pescoço.
Com a indústria têxtil e os pronto-a-vestir a proliferarem por todo o lado, poucos são os que sobrevivem na urbe. Enquanto no pronto-a-vestir é o corpo que se afeiçoa ao fato, no fato por medida é o fato que se ajeita ao corpo. O dono da oficina da agulha e do dedal, geralmente vivia no 1º andar, pelo que bastava descer ao rés-do-chão a qualquer hora, para atender o freguês mais atrasado.

Um dos sobreviventes é o senhor Mário Silva na Rua Alfredo Pereira, entre os amigos mais conhecido por Mário Pité. Alto, magro, com o seu boné à Pedroto de cor branca enfiado na cabeça, lá vai cumprimentando amigos e vizinhos rua acima ou rua abaixo. Quem passava pela sua oficina, dava (e digo dava, porque actualmente já mudou de visual) de caras com uma janela decorada a azul e branco. Eram fotos de dragões (jogadores do Futebol Clube do Porto), estandartes do mesmo clube e até um boneco das Caldas de puxar o cordel e subir o bacamarte vestido à jogador do glorioso Penta Campeão. Se a nível clubista não resta qualquer dúvida, que o nosso amigo é um portista ferrenho, na questão política já não se pode dizer o mesmo. Aí os símbolos iam desde o P.S. com uma foto de Mário Soares, passando por um porta-chaves do P.S.D. e uma cassete de música do C.D.S.. Pode-se dizer que o nosso amigo não se encontra preso a nenhum partido político, escolhendo caso a caso, ou seja, eleição a eleição, o que lhe parece melhor para o país ou para a terra, caso trate-se de eleições autárquicas.
Agarrado à sua velha máquina de costura Singer de dar ao pedal, das suas mãos, vão nascendo casacos, calças, calções com a magia do tempo dos nossos avós, aprendida à chapada e bofetão que era a escola de aprendizagem de qualquer arte em tempos que já lá vão, e que volta e meia, quando a fiscalização aparecia, era preciso dar à sola com o mocho da oficina às costas pelas portas traseiras, para salvar o patrão de uma multa.

São estes homens, que se impõem à sociedade pelo seu trabalho, e sabem o sabor do pão que o diabo amassou, que fazem a diferença numa sociedade egoísta de então.

Fernando José de Oliveira

25 abril 2006

DOCE LIBERDADE

Doce Liberdade
(conto)

O meu tio Humberto, era um homem do reviralho. Indo ele comigo pela mão a atravessar a Praça Municipal, no preciso momento em que, o nosso Primeiro – Ministro Marcelo de visita à nossa terra, foi depor uma coroa de flores no Monumento em Honra aos Mortos da Grande Guerra, desabafou:

- Se fosses pôr flores ao caralho!...

Uns homens agarraram nele e levaram-no. Apenas teve tempo de me mandar para casa e desta vez sem o beijo do costume. Aí chegado, contei à tia o sucedido. A tia Luísa, que já estava calejada nestas andanças, já sabia o que fazer.

No Domingo, fui com ela visitar o tio Humberto, a Caxias. Um guarda colou-se à nossa beira, escutando tudo que nós dizíamos. A horas tantas, a tia colocou em cima da mesa a cesta que levava com o lanche para nós, e que o guarda já tinha revistado. No final do lanche, a tia deu um beijo ao tio e este abraçou-nos com muita força. No fim-de-semana seguinte lá fomos de novo visitar o tio. Ao chegarmos à porta, um guarda informou-nos que ele hoje não podia receber visitas. A tia chorou, chorou muito e pediu ao guarda para lhe entregar um bolo que nós levávamos.

Na próxima visita, o tio apareceu-nos com a cara cheia de hematomas, e com os olhos que mal se viam de negros que estavam.

- Ó tio, porque estás assim tão feio?

- Andei à porrada com o guarda que me comeu o bolo.

- E quando voltas para casa?

- Quando agarrar esse comilão.

Abril nasceu e o tio regressou a casa.

Agora todos os anos a 25 deste mês, a tia faz um grande bolo que o tio Humberto baptizou de Liberdade.

Só que agora, não falta aí quem se faça convidado, e queira devorar a doce Liberdade.


Fernando José de Oliveira
Penafiel - 2004

ABRIL DE VEZ











ABRIL DE VEZ

Mal o dia chega ao fim
Tu deitas o cravo fora
Não gosto de Abril assim
Se ele faz parte de mim
Planto-o no meu jardim
Não mando Abril embora

Muitas vezes me disseram
Outras tantas me avisaram
Vais pelo caminho errado
Só que ninguém perguntou
Se sou eu onde estou
E se sou eu desse lado

Eu nunca vesti Abril
Com discurso engravatado
Eu prefiro ser Abril
Sózinho no meu covil
Na rua do outro lado

Dizem que Abril é culpado
Do mal que pr'aí mora
Eu já estou desconfiado
Andas a ser maltratado
Por democratas de agora

Mas Abril há-de voltar
Desta vez, vai ser de vez
Eu cá estou para te abraçar
E dê no que vier a dar
Em Abril ou noutro mês.

É que há um país à tua espera
É que há um país que acredita
Que um cravo e um pão
Se igualam na mesa da justiça
Que Grândola é uma canção a repetir
E Abril um mês de novo a construir

Fernando José Oliveira