19 março 2007

SERRAGEM DA VELHA

SERRAGEM DA VELHA
GRACIANO DA CRUZ ALVES
A NOSSA GENTE

Hoje em dia as tradições já não são asseguradas pelo povo, mas realizadas por alguns carolas, e quase sempre financiadas com subsídios camarários. Até aqui tudo bem, pois se a autarquia tem dinheiro para uns tantos andarem a dar chutos numa bola, não vejo razão porque não alimentar tradições como a Serragem da Velha.

Esta tradição, muito antiga e de origem pagã, inserida nos rituais de passagem, marcados pelo desejo simbólico de regeneração e renovação, não é exclusividade de Penafiel, nem tão pouco do país.

Há alguns anos, o Grupo Cénico Alma Juvenil, com o amigo Graciano Alves ao seu leme, resolveu reavivar esta tradição, sendo nos últimos anos realizada com as parcerias do Rancho Folclórico de Bustelo e a Associação para o Desenvolvimento de Guilhufe e Rans.

Ainda há dois ano, apesar do frio que se fazia sentir, o Auto da Serragem da Velha, animou o dia com o velório da velha na Praça Municipal, e a sua serragem no Largo da Ajuda já à luz da lua, depois de percorrer em cortejo fúnebre a cidade, debaixo de um berreiro infernal pelo grupo das carpideiras que seguiam atrás da urna.

O Serrar da Velha trata-se de uma encenação de rua, que se realiza na noite de quarta-feira que precede o terceiro domingo da Quaresma, sendo por assim dizer um apêndice do Carnaval, fazendo uma pausa no rigor do jejum e da penitência quaresmal dos católicos, para dar lugar à galhofa e à brincadeira.

Mas o mais esperado, é sem dúvida o testamento da velha. Este testamento é feito em quadras populares que nesse ano de 2005, foram lidas pelos três tabeliães (Miguel, Graciano e Carvalho). Antigamente, os versos eram dirigidos às pessoas cá do burgo, e pretendiam denunciar defeitos pessoais, ou vidas menos ortodoxas socialmente falando que nem sequer vale apenas avivar, arrancando fortes gargalhadas da assistência. Acontece que muitas das vezes no final desta sátira popular, haviam famílias zangadas, havendo por vezes até ameaças e ajustes de contas à moda de Fafe para limpar a sua honra. Agora, para evitar tudo isso, e como o campo é fértil em fenómenos diários para a inspiração, a classe política tanto a nível local como nacional pagam as favas, assim como algumas instituições da cidade. No ano de 2005 a velha de seu nome Maria Cu-ligada, que faleceu no dia 20 de Fevereiro, depois de uma vida penosa entre a tanga e a descrença, foi a enterrar no dia 2 de Março, tendo a presidir às exéquias fúnebres o excelentíssimo e reverendíssimo padre Pedro de Santa Ana (Dr. Daniel). Os textos foram escritos pelo amigo António Arlindo, dos quais vou mencionar alguns ao acaso:

Paulinho era o namorado / O Pedrito era a paixão / Cada um pelo seu lado / Pôs Maria no caixão –-- Ao Presidente da Junta / Para seu maior desgosto / Quando eu já for defunta / Venha cobrar-me o imposto –-- E à minha querida cidade / Deixo coisas do melhor / Jantaradas e publicidade / Lampreias de bom sabor. –-- Ao Presidente do Penafiel / Deixo boas contratações / Mais veteranos a granel / Para sermos campeões –-- À Santa Casa benfazeja / Deixo bens e condições / P’ra que toda a gente veja / A bondade dos” irmões” --– E mais um tribunal novo / Para calar quem discorda / E para entreter o Zé povo / Mais um desfile de moda ( à Fátima Lopes é claro).

Evidentemente que estas coisas que a gente vê na rua a passar, são fruto de um trabalho colectivo que é de realçar.

Se muitas pessoas pensam que o que é preciso é ter lata, podem crer que embora ao Graciano é coisa que não lhe falta, só isso não basta. Pois sem amor à terra e gosto pelo teatro a lata de nada serviria.

É esta gente que faz as coisas acontecendo e que só damos pela sua falta, quando as coisas não acontecem como este ano, já que o amigo Graciano teve que zarpar para terras de França para ganhar o pão-nosso de cada dia, que a cidade se deve orgulhar, em vez de se atribuírem medalhas a certos badamecos, que como diz o outro, falam!... falam!... falam!... e não os vejo a fazer nada, fico chateado, é claro que fico chateado!