14 julho 2012

JORGE DE SENA


JORGE DE SENA


“Não hei-de morrer, sem saber qual a cor da liberdade”

Quem a tem...

Não hei-de morrer sem saber
Qual a cor da liberdade.
Eu não posso senão ser
Desta terra em que nasci.
Embora ao mundo pertença

E sempre a verdade vença,
Qual será ser livre aqui,
Não hei-de morrer sem saber.
Trocaram tudo em maldade,
É quase um crime viver.

Mas embora escondam tudo
E me queiram cego e mudo,
Não hei-de morrer sem saber
Qual a cor da liberdade.



Jorge Cândido de Sena, nasceu em Lisboa no dia 2 de Novembro de 1919 e foi poeta, crítico, ensaísta, ficcionista, dramaturgo, tradutor e professor universitário português. 

Em Portugal, a sua situação como escritor e cidadão estava a tornar-se insustentável. Como escritor, não tinha tempo livre para escrever, apenas o podia fazer de modo insuficiente e limitado à noite e aos domingos. Também o facto de não pertencer a nenhum círculo académico e a falta de apoio institucional lhe frustrava qualquer pretensão de poder vir a editar alguma obra mais ambiciosa. Por outro lado, a sua participação numa tentativa revolucionária abortada em 12 de Março de 1959, colocou-o em posição de prisão eminente, no caso muito provável de algum dos conspiradores presos pela PIDE denunciar os que ainda se encontravam livres.



Em Agosto de 1959, viajou até ao Brasil, convidado pela Universidade da Bahia e pelo Governo Brasileiro a participar no IV Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros. Tendo sido convidado como catedrático contratado de Teoria da Literatura, em Assis, no Estado de S. Paulo, aproveitou essa oportunidade e aceitou o lugar, iniciando assim o seu longo exílio. 
Em 1961, Jorge de Sena foi ensinar Literatura Portuguesa na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara. Em 1964, depois de vencer alguns preconceitos académicos pelo facto de ser licenciado em Engenharia, Jorge de Sena defendeu a sua tese de doutoramento em Letras (Os Sonetos de Camões e o Soneto Quinhentista Peninsular), tendo obtido os títulos académicos "com distinção e louvor".

A degradação da situação política no Brasil, com a instalação de uma ditadura militar a partir de Março de 1964, fez com que Jorge de Sena, mais do que nunca avesso a prepotências, aceitasse um convite para ensinar Literatura de Língua Portuguesa na Universidade de Wisconsin, para partir para os Estados Unidos da América em Outubro de 1965. Em 1967  foi nomeado catedrático do Departamento de Espanhol e Português da referida universidade.

Quando se deu o 25 de Abril Jorge de Sena ficou entusiasmado e queria regressar definitivamente a Portugal, ansioso de dar a sua colaboração para a construção da democracia. Sena visitou Portugal, contudo, nenhuma universidade ou instituição cultural portuguesa se dignou convidar o escritor para qualquer cargo que fosse, facto que muito o desiludiu e amargurou, decidindo continuar a viver nos Estados Unidos, onde tinha a sua carreira estabelecida.

Jorge de Sena morreu em 4 de Junho de 1978, aos 58 anos, de cancro. Em 11 de Setembro de 2009, os seus restos mortais foram trasladados de Santa Barbara, Califórnia, para o cemitério do Prazeres em Lisboa, depois de uma cerimónia de homenagem na Basílica da Estrela, com a presença de familiares, amigos e entidades oficiais.

Durante o seu exílio no Brasil, Jorge de Sena vai escrever um livro de contos autobiográficos com o título “Os Grão-Capitães”. 


No conto “As Ites e o Regulamento a sua acção situa-se em Penafiel, no ano de 1941, lugar do quartel onde o narrador cumpre o seu serviço militar sob a égide de um capitão cuja «prepotência resultava apenas de recusar-se terminantemente a reconhecer a existência do que o Regulamento não consignasse». É deste conto que vou extrair alguns excertos de texto.

Quartel Militar de Penafiel


Quando, naquele ano em que fui convocado para o serviço militar, viajei para Penafiel, onde o curso de oficiais milicianos centralizava para todo o País o seu primeiro ciclo, era a primeira vez que eu penetrava na província, já que até então vivera só em Lisboa e depois no Porto, com rápidas paragens em Coimbra, nas viagens entre as duas cidades. 

Avenida Sacadura Cabral

 O que não fosse cidade era, para mim, uma espécie de excursão aos arrabaldes, ou a paisagem que ia rodando, aparecendo e indo, rente às janelas do comboio. Penafiel, nesse tempo, era uma avenida larga com casinhas baixas, em cujos extremos, embora não exactamente neles, havia, respectivamente, o casarão imenso e acachapado do quartel e um santuário pretensioso e recente, construído na mira de justificar romarias que reanimassem o comércio de uma cidade que vivia só do quartel.”
…. ….. ….. ….. ….. ….. …..

Cine-Teatro S. Martinho

“A única distracção decente era um cinema bissemanal, cujo apelo anunciador retinia, em vacilações estridentes, pela cidade toda.”
…. …. ….. ….. ….. ….. ….. …..

Monumento aos Mortos da Guerra
“E, porque a guerra ardia pela Europa e estava suspensa como uma ameaça sobre a Península Ibérica, e o Blitz de Londres prosseguia feroz, e a Alemanha nazi parecia levar tudo de vencida, as pessoas apinhavam-se em pequenos grupos dentro e à porta de botequins com rádio, para ouvirem as emissões em português da B. B.C., a única voz ouvida em Portugal, que não estava ao serviço dos alemães. Esta curiosidade «mórbida», em que havia um misto de anti-salazarismo e de ódio ao «boche» combatido na Primeira Guerra Mundial (Penafiel tinha também, a meio da avenida, o seu horrendo monumento aos Mortos da Guerra).
…. …. …. …. …. …. …. ….

Hospital da Santa Casa da Misericórdia de Penafiel

 “Uma doença pode durar, e em geral dura, a não ser nas congeminações disciplinares dos Estados-Maiores, mais dias que o inefável número da Santíssima Trindade. De modo que os doentes, quando os havia, baixavam ao hospital (que, em Penafiel, era o hospital civil da Misericórdia, único na cidade), oficialmente por três dias, recebiam alta, voltavam em braços para o quartel por não haver transporte providenciado para eles, e aí continuavam, extra-oficialmente, a frequentarem as aulas e a participarem nas formaturas, respondendo, às vezes, às chamadas pela boca de outros que os representavam.”
…. …. …. …. …. …. …. …. ….

Jardim Público
 “As donzelas da cidade, em grupos, refluíam para o jardim ao pé do quartel, na mesma mira insana e melancólica de namorarem um soldado-cadete que, formado, as arrancasse de Penafiel. O que, em geral, sucedia era algumas delas tornarem-se proverbiais, serem endossadas de curso para curso, cada vez mais fáceis, mais desesperadamente apalpáveis, mais conhecidas, mais distantes de alguma coisa que não fosse o que teriam num recanto escuro do jardim.”

Assembleia
“As famílias distintas reuniam-se na «Assembleia», cuja frequência nos era vedada, desde que uma vez, no primeiro ano em que houvera um curso de cadetes na cidade, o baile terminara em desordem. Os oficiais e as famílias faziam parte da distinção da cidade; mas algumas senhoras preferiam manifestamente passear no jardim, no meio daquele cheiro de virgindades duvidosas e de homens em cio profissional, que fora, ao caçarem os maridos, a atmosfera da sua casta militar.”

…. …. …. …. …. …. …. ….

Antigo Quartel dos Bombeiros

 “Os lampiões da avenida acenderam-se. Os passos das botas pesadas, o vozear dos grupos, a campainha do cinema, foram-se diluindo num silêncio tépido, abafado, que parecia concentrar-se na luzinha vermelha que, ao fundo da avenida, ficava acesa no quartel dos Bombeiros Voluntários.”

FACHADA DO QUARTEL

 “Ouçam! «Aos homens em campanha, deverá ser providenciado que tenham ao seu dispor, pelo menos uma vez por semana e mediante justa remuneração, mulheres apropriadas à satisfação dos naturais impulsos, pela instalação e pelo bom estado sanitário das quais o Estado-Maior velará, através dos seus órgãos competentes. Deste modo, ao mesmo tempo que se garante, sob todos os aspectos, a saúde dos homens, poderá manter-se sempre elevado o moral das tropas.”
 

 
Aqui fica um pequeno relato de autoria do escritor Jorge de Sena, do que era a vida de um militar em Penafiel, e de como eram algumas vivências na cidade no ano de 1941.